domingo, 15 de maio de 2022

Conectado/Desconectado

Estamos presos no 'doomscrolling'?
Quem nunca pegou o celular para ver uma única mensagem e, de repente, viu-se capturado pela hipnose de ficar deslizando o dedo?

Ronaldo Lemos, FSP, 08.05.22


Existe um termo novo na praça para designar um problema que a maioria das pessoas conectadas conhece bem. O termo é "doomscrolling". "Scrolling" significa "rolar", no caso, rolar a tela do celular para baixo. "Doom" significa "danação", "condenação", "perdição".


Conjugados, os dois termos se referem ao fenômeno de ficar rolando a tela sem rumo nas redes sociais, muitas vezes por horas, sem qualquer objetivo, simplesmente para ver se aparece alguma coisa capaz de alterar nosso estado emocional de ansiedade.


Quem nunca pegou o celular para ver uma única mensagem e, de repente, viu-se capturado pela hipnose de ficar deslizando o dedo pela tela e quando percebeu tinha perdido uma hora ou mais da sua vida vendo aleatoriedades que só pioraram seu estado emocional? Esse é o "doomscrolling".


Sobre o tema acaba de sair uma interessante publicação do teórico da mídia holandês, Geert Lovink, com o nome "Presos na Plataforma" ("Stuck on the Platform", em inglês). Lovink é professor da universidade de Amsterdã e fundador de um instituto que estuda a cultura que emerge das redes.


Logo na introdução ao seu trabalho ele diz: "Estamos todos aprisionados. Não importa o quanto você tente deletar os aplicativos do seu celular, o poder de sedução traz você de volta. O "doomscrolling" é o verdadeiro novo normal de uma vida que se passa agora totalmente online. Estamos viciados nas grandes plataformas, incapazes de retornar à banalidade do tempo em que as redes eram descentralizadas".


Em 2009 tive a oportunidade de fazer um debate com Lovink na PUC de São Paulo. Era o fim da fase heroica e descentralizada da internet nos anos 2000: a era dos blogs, do software livre, da Wikipédia. Era também o momento em que o Marco Civil da Internet estava sendo construído de forma colaborativa online.


No debate, Lovink alertava sobre uma mudança que estava em curso, capaz de solapar o modelo de organização descentralizada. A competição por atenção na rede levaria cada vez mais à concentração nas plataformas. Já eu, apesar de também identificar o problema, ainda apostava que as redes descentralizadas pudessem prevalecer.


Treze anos depois estamos em um contexto em que de fato o indivíduo perdeu várias capacidades não só de agir, mas também de escolher que tipo de informação acessa ou não na rede. Essa decisão é hoje tomada em grande parte através de algoritmos. Esses, por sua vez, são otimizados para capturar atenção, custe o que custar. Um dos efeitos colaterais desse modo de organização da informação é o doomscrolling. Indivíduos capturados em armadilhas da atenção –sem propósito–muito difíceis de serem evitadas.


O que fazer? Geert propõe "levar a sério a miséria mental que afeta bilhões de pessoas. Não podemos mais ignorar a depressão, raiva, desespero e fingir que tudo ficará melhor do dia para a noite. Hábitos precisam ser desaprendidos, a identificação do problema precisa se espalhar. Mudanças em políticas tecnológicas precisam ocorrer". É um bom começo de conversa. Enquanto isso vamos ali dar uma olhada no feed das redes sociais. Mas vamos prometer, vai ser só por um minutinho.


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Opinião - Ronaldo Lemos: Estamos presos no 'doomscrolling'?

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Desconectar é cada vez mais raro e difícil

Ao abrir o celular passivamente, perdemos a oportunidade de fazer coisas mais valiosas online e offline


Ronaldo Lemos, FSP 24.abr.2022


Existe uma experiência educacional e aterradora: utilizar um aplicativo que monitora quanto tempo usamos o celular por dia e qual é esse uso. Apps como o iOS Screen Time, para iPhone, ou o Digital Wellbeing, para o sistema Android, criam um mapa detalhado de quantos minutos gastamos com os olhos fixados na tela do aparelho e como.


Quem faz esse experimento em geral fica chocado. Como o tempo é o recurso mais escasso que existe, é perturbador alcançar o autoconhecimento de como deixamos esse recurso precioso ser jogado fora deslizando o dedo na tela sem nenhum propósito. Mais do que isso, há implicações para a saúde mental.


Um estudo da Universidade da Pensilvânia de 2018 determinou que pessoas que usam mídias sociais no máximo até 30 minutos por dia têm melhoras significativas no seu bem-estar, com redução significativa da sensação de solidão ou de estados depressivos, quando comparados ao grupo de controle.


A questão é que, mesmo sabendo exatamente quanto tempo gastamos no celular, continua sendo difícil mudar de hábitos. Em outras palavras, desconectar não é fácil.


Gosto sempre de lembrar o documentário biográfico sobre Bill Gates que saiu na Netflix. Os episódios mostram como o bilionário fundador da Microsoft é uma pessoa desconectada. Ele raramente chega perto de um computador ou de um celular. E faz questão de mostrar que carrega uma cesta por onde vai com os livros em papel que está lendo durante aquela semana.


De fato, talvez seja preciso ser alguém como Bill Gates para se desconectar no mundo de hoje. Para a maioria absoluta das pessoas que estão conectadas à internet, a desconexão não é uma opção. Dependemos demais da rede para trabalhar, sobreviver e falar com outras pessoas para conseguir abrir mão dela.


Uma pesquisa de 2020 do Departamento de Estatísticas do Trabalho dos Estados Unidos determinou que naquele país uma pessoa tem, em média, 5,5 horas livres por dia. Uma parcela cada vez maior desse tempo hoje é empregada no celular ou em telas de modo geral.


Diante de tudo isso, o que fazer? A cientista do comportamento Michelle Drouin recomenda olhar para o problema com uma lente de otimização econômica. Ela parte da premissa de que é muito difícil parar de usar o celular. No entanto, é possível tomar decisões melhores sobre como gerir o tempo a partir de uma mudança de perspectiva.


Ela propõe dois modelos para isso: omissão e substituição.


Omissão é abster-se de usar o celular, algo nem sempre fácil de ser feito.

Já a substituição é diferente. É uma mudança de mentalidade para entender que, sempre que optamos por gastar tempo passivamente movendo o dedo sobre o feed das redes sociais, estamos abrindo mão da oportunidade de usar o tempo de outros modos mais construtivos e valiosos. Tanto offline, com pessoas e atividades, quanto online (por exemplo, pesquisando algo em interesse próprio).


Em outras palavras, ao usar o celular passivamente, substituímos outros usos possíveis. Entender isso permite optar entre viver à deriva e ter controle sobre as próprias oportunidades.


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