Raquel Cozer, para a Folha de São Paulo – 16.07.09
As escritoras Stephenie Meyer e Meg Cabot lideraram listas de mais vendidos com títulos como "Crepúsculo" (Intrínseca) e "O Diário da Princesa" (Record). A coletânea da Record que incluiu as duas, "Formaturas Infernais", ficou entre os primeiros lugares de outra lista- a dos livros mais rapidamente pirateados na internet.
"Um dia depois de chegar às livrarias ele já estava na rede", conta Sônia Jardim, vice-presidente do grupo Record e atual presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel). "É impressionante como o negócio se prolifera."
Nos últimos anos, a chamada pirataria digital de livros vem aumentando o suficiente, em quantidade e velocidade, para pôr em alerta grupos que defendem os direitos autorais.
Sem pesquisas relativas à quantidade de arquivos disponíveis na rede, a Associação Brasileira de Direitos Reprográficos mede o problema pelo número de denúncias de autores e editoras. O aumento foi de 140% em menos de três anos -de 13 denúncias mensais recebidas em 2007, a ABDR recebe hoje cerca de uma por dia. Cada denúncia envolve a pirataria de, em média, cinco livros.
O aumento levou o Snel e a ABDR a optarem por um combate mais "sistemático". O departamento jurídico da associação, que em 2006 tinha um advogado, terá cinco até agosto -dois serão responsáveis unicamente por vasculhar sites e pedir a retirada de textos.
"O combate permanente é difícil porque os piratas mudam de endereço o tempo todo", diz Roberto Feith, diretor-presidente da editora Objetiva. Entre os endereços mais visados, estão o Viciados em Livros -que oferece livros em DOC, TXT e PDF, com capa, sinopse e até crédito de quem "preparou" o arquivo- e o Esnips.
Livros científicos e técnicos são alguns dos mais baixados, mas best-sellers e volumes de autoajuda também estão no topo das buscas. O site Rei do E-Book, com 500 títulos, tem uma lista de "mais baixados" na qual aparecem "O Vendedor de Sonhos", de Augusto Cury, "O Pequeno Príncipe" e outros.
A iminência da chegada dos dispositivos de leitura de livros eletrônicos, os chamados leitores de e-book, é outra preocupação. Os mais famosos -o Kindle, da Amazon, e o Sony Reader- ainda não têm previsão de lançamento no Brasil. No mês passado, no entanto, a Braview anunciou o lançamento do "primeiro leitor de e-books do país" -um modelo mais simples que o Kindle, previsto para chegar às lojas em outubro, a cerca de R$ 400.
Independentemente disso, as novas gerações não veem tanto problema em ler em telas. Na comunidade Livros para Download, do Orkut, boa parte dos usuários diz que lê os textos no computador, no celular ou em aparelhos de MP4. "Se um texto tiver mais de dez páginas, eu preciso imprimir para ler. Mas um adolescente pode ler no computador sem problema", avalia Dalton Morato, diretor jurídico da ABDR.
Ele afirma que o download ilegal ainda não é o maior meio de pirataria de livros no país -em primeiro ainda está a xerox usada em universidades; a estimativa "conservadora" da ABDR é que sejam realizadas três bilhões de fotocópias por ano. "Mas a pirataria digital tende a superar a física em não muito tempo", avalia.
O diretor geral da Planeta no Brasil, César González, afirma que o download ilegal de livros ainda não causa prejuízo direto nas vendas. Da editora, o livro "Roberto Carlos em Detalhes", de Paulo César de Araujo, continua disponível na rede mesmo após o acordo judicial com o biografado, que interrompeu a comercialização da obra.
A editora Sextante, que tem livros entre os baixados, não havia tomado iniciativa em relação à questão até ser contatada pela reportagem da Folha. Sua assessoria de imprensa informou que irá "encaminhar as informações recebidas para o jurídico para que eles avaliem e tomem as medidas cabíveis".
Na maior parte das vezes, segundo a ABDR e o Snel, os sites respeitam as notificações recebidas e retiram os arquivos ilegais -nesse caso, não precisam pagar multa nem tirar o endereço do ar. Neste ano, em quatro ocasiões as entidades precisaram recorrer à Justiça para conseguir tirar textos da rede.
Em junho, foi apresentado um projeto de lei para regulamentar o download de arquivos eletrônicos na internet. A Lei de Direitos Autorais, porém, já protege os autores tanto contra a reprodução física quanto contra a digital, justamente por não especificar que tipo de reprodução é proibida.
"Muitas vezes, os piratas nem têm noção de que estão cometendo um crime", diz Fabiana Fontoura, advogada da editora Globo, que já teve de pedir a retirada de livros do ar.
"Se tivesse como comprar, não baixaria", diz usuário
"Meu objetivo não é prejudicar os autores e sim compartilhar [os livros] com leitores do meu blog", diz Alexandre Chahoud, 21, "administrador e dono" do site Rei do E-Book.
Ele afirma que resolveu criar a página depois de amigos comentarem sobre a dificuldade de encontrar determinados títulos no país. "Mas o crescimento foi tão grande que se tornou uma coisa pública."
Nos seis meses de existência do site, diz, já aconteceu de "autores se sentirem constrangidos e pedirem para que suas obras fossem removidas". Foi o caso de André Vianco, que "pediu gentilmente via Twitter e e-mail que fossem retiradas duas de suas obras". Elas não aparecem atualmente no site.
Com cerca de 3.000 arquivos disponíveis, o blog SSRJ Book Download é coordenado por uma aposentada de 55 anos, que se indentifica como Sonia SSRJ. Com "clássicos" entre os mais baixados -em primeiro lugar, estão obras de Agatha Christie, com mais de 4.000 downloads já feitos-, Sonia diz que evita escritores brasileiros. "Sempre dá problema."
Ela defende o que chama de "leitura democraticamente livre" e afirma que a maioria dos usuários de seu site são "pessoas que não têm acesso a bibliotecas ou que não têm como comprar livros".
Samuel Pinheiro, 24, que faz especialização em literatura em São Paulo, diz que não teria conseguido definir seu projeto de monografia sem a ajuda do Esnips. Ele procurava um texto do japonês Haruki Murakami, "The Girl from Ipanema, 1963/1982", e achou no site uma tradução para o inglês. "Se tivesse como comprar aqui, não teria baixado", diz. (RC)
Autores lamentam casos, mas não veem solução
No ano passado, o escritor Marcelo Rubens Paiva cadastrou o próprio nome no Google Alert -serviço que envia ao internauta links sobre assuntos selecionados que caem na rede- para ficar ciente quando grupos de teatro montassem peças a partir de textos seus.
Logo recebeu um aviso de que seu livro "Feliz Ano Velho" (Objetiva) estava disponível para download, em formato DOC, no Esnips. Escreveu pedindo a retirada do texto, e o título saiu do ar. Uma semana depois, um novo aviso -agora o livro aparecia também no formato PDF. Na sequência, entrou o romance "Blecaute". "Desisti. Não tem mais o que fazer", lamenta o escritor.
Paiva vê uma diferença entre a pirataria na música e na literatura: "Na música, por mais nociva que seja, a pirataria pode até aquecer o mercado de shows. Agora, na literatura, a gente não tem outra fonte de renda que não seja o livro".
O escritor e colunista da Folha Ruy Castro também deparou, há alguns anos, com um arquivo com o texto de "Chega de Saudade" (Companhia das Letras) disponível na internet. Não pensa em tentar brigar com os novos tempos. "Seria só uma fonte total de aborrecimento para mim", imagina.
O que mais o incomoda, na verdade, é outra questão. "O texto que vi inteiro lá está na rede de uma maneira absurda: não tem parágrafo nem nada. O cidadão [o próprio Ruy] toma o maior cuidado para separar tudo em parágrafos, vem um imbecil e joga tudo lá como se fosse uma coisa só", reclama. "Quero crer que o leitor vai preferir sempre o livro original, com ilustrações e a revisão impecável da editora", ele diz. (RC)