domingo, 26 de maio de 2019

O que é a teoria da floresta negra da internet

Juliana Domingos de Lima 
23 Mai 2019

Escritor e cofundador do site de financiamento coletivo Kickstarter, Yancey Strickler afirma que usuários da rede estão se recolhendo para canais mais restritos e privados

A internet está se tornando uma floresta negra. Esta é a tese compartilhada pelo americano Yancey Strickler em um artigo colocado no ar em 20 de maio de 2019 na publicação de ciência e tecnologia OneZero, do Medium. Strickler é um dos fundadores do Kickstarter, maior site de financiamento coletivo do mundo, criado em 2008. Segundo ele, em resposta ao ambiente predatório que parte da internet se tornou, com anúncios, monitoramento e trolls, muitos usuários estão se voltando cada vez mais para canais privados, para espaços mais restritos e seguros, como o das newsletters, grupos de mensagem e canais no Slack, fora do mainstream da internet. 

Sua hipótese faz referência à “teoria da floresta negra”, segundo a qual o fato de seres humanos não terem conhecimento da existência de vida extraterrestre se deve à autopreservação das espécies que habitam o universo. É como caminhar em uma floresta à noite: pode-se supor, pelo silêncio, não haver vida lá fora, enquanto na verdade os animais estão em silêncio para se proteger de predadores. Essa teoria foi apresentada pelo autor chinês Cixin Liu em sua trilogia de ficção científica “Lembrança do Passado da Terra”, também conhecida pelo título do primeiro livro, “O Problema dos Três Corpos”, de 2006. 

Para Strickler, a migração de usuários para esses espaços mais restritos torna a vida online menos visível a olhos nus – o que não significa que não haja uma atividade pulsante e crescente acontecendo. Por que as ‘florestas negras’ cresceram na internet As florestas negras da internet são espaços em que os usuários se sentem mais seguros para agir como eles mesmos. 

O autor do texto as descreve como ambientes não gamificados e não indexados no qual ainda é possível se comunicar sem tensões, ou, pelo menos, se expressar em um lugar mais indulgente do que o restante da internet. Podcasts e Instagrams privados também são citados como exemplo. 

Strickler afirma termos entrado em uma era em que se vive simultaneamente em “muitas internets” diferentes, devido ao crescimento desses espaços. 

“A internet de hoje é um campo de batalha. O idealismo da rede da década de 1990 se foi. A utopia da web 2.0 – na qual todos vivíamos em filtros bolha de felicidade – terminou com a eleição presidencial de 2016 [que elegeu Donald Trump nos EUA], quando aprendemos que as ferramentas que achávamos serem apenas enriquecedoras também podiam ser usadas como arma” 
Yancey Strickler No artigo ‘The Dark Forest Theory of the Internet’ 

Em meio a essa atmosfera contínua de competição por poder que a internet passou a ter, muitos decidiram se refugiar em suas florestas negras para evitar o confronto. 

Strickler argumenta que o crescimento de canais mais restritos se deve ao fato de que eles fornecem abrigo psicológico e para a reputação de quem os utiliza. Isso acontece porque neles há um público mais controlado, o que permite que se saiba melhor com quem se está falando. Por isso as “florestas da internet” diferem dos canais de massa (como um post feito no Facebook ou no Twitter, por exemplo), com sua alta taxa de recompensa, altos riscos e moderação limitada.

Qual o lado negativo O empreendedor faz também uma (auto)crítica em relação a esse movimento. Ele mesmo relata ter desinstalado os aplicativos de redes sociais de seu celular e ter se entrincheirado em suas florestas negras virtuais, assim como muitos, nos últimos anos. 

Ultimamente, porém, há questionamentos sobre as consequências dessa saída dos espaços onde os debates mais convencionais da internet estão acontecendo, e também sobre a influência que redes como Twitter e Facebook continuam a ter. 

“Isso me lembra do que aconteceu nos anos 1970 quando os hippies – feridos e ensanguentados nas guerras culturais dos anos 1960 – recuaram para a auto-ajuda, bem-estar e desenvolvimento pessoal, como Adam Curtis documenta em sua série ‘O Século do Ego’”, escreve Strickler.  

Enquanto aqueles que costumavam ser críticos se voltavam para dentro de si mesmos, os vencedores das guerras culturais dos anos 1960 tomaram conta da sociedade. “O foco [dos hippies] em seu bem-estar social criou um efeito colateral imprevisto: uma retirada da esfera pública e uma mudança na distribuição de poder desde então”. 

É isso que o preocupa com relação às florestas negras da internet. Quem sai dos canais mais massivos da internet para se proteger nelas pode estar limitando a influência do Facebook e de outras grandes redes, deslegitimando-as. Ou pode estar subestimando quão poderosas continuam sendo, e perdendo a oportunidade de ocupá-las e usá-las a seu favor. 

O Nexo fez duas perguntas sobre a hipótese de Strickler a Thiago Oliva, coordenador de pesquisa em liberdade de expressão do InternetLab. 

O fenômeno descrito pelo autor está acontecendo de fato? 
THIAGO OLIVA Tendo a concordar com o autor no sentido de que há esse movimento. Há um número crescente de pessoas que questionam o uso que as plataformas fazem dos seus dados pessoais, que se incomodam com a publicidade veiculada nesses espaços, que consideram esses ambientes tóxicos, opressivos ou mesmo que acreditam passar tempo demais ali. Eu não chegaria a dizer, no entanto, que se trata de uma mudança, justamente por não resultar em um novo paradigma de comunicação, já que as principais mídias sociais continuam (e devem continuar) sendo espaços de discussão e de disputa de poder muito influentes. 

O que ele pode gerar? 
THIAGO OLIVA A decisão de entrar ou sair de uma rede social é, obviamente, de cada um. A opção pela saída pode funcionar, inclusive, como um mecanismo de pressão para que as plataformas se esforcem mais em endereçar o que incomoda os usuários. É importante considerar, no entanto, que, quando deixamos de participar desses espaços, não poderemos nos fazer ouvir em discussões que digam respeito a assuntos do nosso interesse. Não teremos meios de contribuir com o nosso ponto de vista, as nossas experiências pessoais, o nosso conhecimento – o que, considerando o número crescente de usuários deixando esses espaços, poderá resultar em distorções nos debates travados ali. 


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